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Joumana Haddad | Entrevista ao Jornal de Letras | 11 a 24 Out 2017

 

Eu Matei Xerazade - Confissões de Uma Mulher Árabe em FúriaEu Matei Xerazade - Confissões de Uma Mulher Árabe em Fúria
Autora: Joumana Haddad
Tradução: Inês Pedrosa
Literatura, memórias, ensaio
ISBN: 978-989-99946-0-7
178 páginas.

 

Matar a submissão

A escritora e jornalista libanesa vai estar em Lisboa para participar no encontro Mulheres nas Artes: Percursos de Desobediência, na Fundação Gulbenkian, onde será lançada também, ao fim da tarde de 16, com apresentação de Nuno Júdice, a edição portuguesa de Eu Matei Xerazade - Confissões de Uma Mulher Árabe em Fúria, um livro que está a ter grande impacto em muitos países e um "ponto de viragem" na sua vida literária, como adianta ao JL.


"Considero a literatura o instrumento mais eficiente de sempre para promover a mudança social. Torna-nos mais liberais, iluminados, resilientes e rebeldes."

Ser capaz de dizer tudo aquilo que quis, sem permitir que a realidade social, cultural e religiosa a intimide. Essa a sua maior vitória como escritora. "Treinei-me para libertar o meu amor próprio dos julgamentos da sociedade, e isso é um enorme avanço em direção à emancipação real", afirma ao Jornal de Letras Joumana Haddad.
Para ela, a liberdade é o "oxigénio" da escrita. Uma paixão que lhe vem dos livros, muitos, árabes e franceses, que leu desde a infância. Por isso, não tem dúvidas que "a literatura é o instrumento mais eficiente de sempre para promover a mudança social". Também por isso escreve, para quebrar tabus, mudar ideias feitas sobre a criatividade, a condição feminina ou as relações entre homens e mulheres.
Jornalista e ativista, Joumana Haddad nascida em Beirute, em 1970, tem publicado vários títulos, entre os quais o aclamado Eu Matei Xerazade - Confissões de Uma Mulher Árabe em Fúria, já com edição em vários países, que sai agora em Portugal, inaugurando a nova editora Sibila, criada por Inês Pedrosa, também tradutora do livro.
E "infelizmente" Xerazade ainda está viva, quer no mundo árabe, quer um pouco por toda a parte, segundo a escritora libanesa. Contra essa tradicional "sedução submissa", adianta que "cada mulher precisa de a matar, de matar aquela voz conciliadora que existe dentro dela, de modo a defender os seus direitos fundamentais e a sua dignidade humana". Um "crime necessário", diz ela.

Jornal de Letras: O seu livro retrata uma mulher árabe que escreve poesia erótica, criou uma revista sobre o corpo e não receia provocar Alá. Esta liberdade foi-lhe permitida por ter tido uma educação ocidental?
Joumana Haddad: Na realidade, não tive uma "educação ocidental", pois cresci numa família libanesa muito conservadora, numa casa com regras extremamente rigorosas e uma educação religiosa convencional. Nem ir ao cinema com amigos me era permitido, quando adolescente. Claro, isto também se devia, em parte, ao facto de, durante os anos da minha infância e adolescência, haver no meu país uma terrível guerra civil, pelo que não foi permitido a muitos jovens da minha geração ter uma vida normal. Mas, através dos livros árabes e franceses, ganhei a paixão pela liberdade e o meu desejo é conquistá-la. Os árabes têm um grande património de literatura iluminada, ao contrário do que a maioria das pessoas imagina. E foi isso que salvou a minha alma e a minha vida durante esse difícil período.

JL: Em que sentido?
JH: Começamos a aprender a liberdade nas nossas mentes antes de qualquer outra coisa, e eu tive muita sorte porque os meus pais, apesar de tradicionais e conformistas, sempre nos encorajaram, a mim e ao meu irmão, a aprender e a ler. Tínhamos uma enorme biblioteca, na nossa modesta casa, e ler era a minha actividade preferida desde muito nova. Foi isso que me ensinou tudo o que sei, e que me tornou a mulher que sou hoje. É por isso que considero a literatura o instrumento mais eficiente de sempre para promover a mudança social. Torna-nos mais liberais, iluminados, resilientes e rebeldes.

Joumana Haddad, por Maya Alameddine
Joumana Haddad "Não se consegue motivar a mudança sem provocar os que estão a impedi-la"

JL: Matou Xerazade porque ela era uma mulher a seduzir um rei, com o objectivo de sobreviver, e contesta esta sedução submissa. A sua conferência na Gulbenkian será sobre o tema "o que significa ser uma mulher Árabe hoje". Xerazade está realmente morta?
JH: Infelizmente, Xerazade ainda está viva, não apenas no mundo Árabe, mas em toda a parte. Já a encontrei em muitos países e culturas. Na América Latina, na Europa, na Ásia, nos Estados Unidos, etc. Existem muitas formas de negociação, conscientes e inconscientes, que as mulheres invocam de modo a sobreviver, ou para obterem aquilo que querem, seja no Ocidente ou no Oriente. Cada mu lher precisa de matar aquela voz submissa e conciliadora que existe dentro dela, de modo a defender os seus direitos fundamentais e a sua dignidade humana. Todas nós temos eme cometer esse "crime necessário" num dado momento das nossas vidas.

JL: Eu Matei Xerazade está a ser publicado em numerosos países e elogiado por escritores galardoados com o premio Nobel, como Mário Vargas Llosa e Elfriede Jelinek. Isto mudou sua vida?
JH: Este livro foi certamente um ponto de viragem na minha carreira de escritora e ativista. Sou grata a todos os escritores queo elogiaram, e a todos os leitores que o mantêm vivo, dia após dia, em todo o mundo. Mas como sou um tipo de pessoa que olha mais para a frente do que para trás, continuo com esperança de o livro a mudar a minha vida ser o próximo!

JL: Depois disso, publicou Superman is an Arab. Esses dois livros não lhe trouxeram problemas com as Xerazades e Super-homens árabes?
JH: Como escritora, não tento agradar a todas as pessoas, não tenciono enquadrar as expectativas do público, apenas realizar as minhas convicções, ser fiel à minha consciência, atingir a minha procura da verdade, por debaixo das máscaras e camadas de ilusão que a escondem. Por isso é normal, e até indispensável, que as minhas palavras criem inimigos, tal como criam aliados. Não me incomoda nada. Respeito o direito de cada pessoa a ter uma opinião diferente, desde que o meu direito a expressar-me, e a ser quem sou, seja respeitado em troca. Mas incomodar as Xerazades e os Super-homens é um dos objetivos desses dois livros: não se consegue motivar a mudança sem provocar aqueles que estão a impedi-la.

JL: Escreve sobre coisas terríveis com muito humor. O humor é uma forma de rebelião, uma ferramenta para a mudança?
JH: Sem dúvida. Mas é também, e principalmente, pelo menos para mim, uma forma de fazer com que aquilo que dói mais, no íntimo, doa menos. É como oferecer partes do meu corpo martirizado aos leitores, e utilizar o sangue das minhas feridas para pintar um sorriso nos seus rostos.

JL: Em Eu Matei Xerazade, escreve sobre a riqueza da tradição literária árabe, nomeadamente no que diz respeito ao erotismo. Este património cultural resistirá aos censores contemporâneos?
JH: Sempre existirá censura e repressão, enquanto a liberdade assustar as corruptas autoridades políticas e religiosas. Mas vamos continuar a resistir e a lutar, porque a liberdade é o oxigénio de um escritor. Não é possível sentarmo-nos e explorarmos os pensamentos quando existem linhas vermelhas que não se podem atravessar, ou alarmes a tocar constantemente na cabeça. A auto censura é ainda mais perigosa do que a censura oficial, porque quando és educado e alimentado no medo, perdes a capacidade de identificar o opressor e tornas-te submisso por natureza.

JL: Escreve também "Eu matei Xerazade com as mãos de cada vitória que testemunhei e de cada derrota a que sobrevivi". Quais são as suas principais vitórias e derrotas?
JH: Penso que a minha principal vitória (e orgulho) como escritora, até agora, foi ser capaz de dizer tudo aquilo que quis e precisei de dizer, sem permitir que os diferentes tipos de agressores da minha cultura me intimidem. Treinei-me para libertar o meu amor próprio dos julgamentos da sociedade, e isso é um enorme avanço em direção à emancipação real. Foi preciso muito tempo e conhecimento para isso, porque vai sempre existir uma pequena criança dentro de nós que precisa de ser elogiada e amada pelos outros. Quanto às minhas derrotas, e todos os erros que cometi até agora, não quero realmente considerá-los como tal: são lições preciosas que me tornaram uma pessoa melhor e, como tal, são também vitórias, orgulho-me delas.

JL: O que está a escrever agora?
JH: Terminei um romance inspirado na minha avó materna, que era natural da Arménia e sofreu os horrores do Genocídio Arménio quando tinha apenas três anos. Ela suicidou-se quando eu tinha sete, e sempre desejei torná-la uma personagem ficcional, como forma de prestar homenagem à sua vida e lutas. O romance aborda a história de quatro mulheres, de quatro gerações consecutivas, que testemunharam quatro guerras ferozes no Médio Oriente, ao longo de um século inteiro: O Genocídio Arménio (1915), a Guerra Israelo-Palestiniana (1948), a Guerra Civil Libanesa (1975) e a Guerra na Síria (2012).

Entrevista ao Jornal de Letras. 11 a 24 de Outubro de 2017

 

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